Apolinário, o homem de palavra



Logo que os primeiros raios de sol iluminavam o dia, Apolinário — o homem de palavra, como ele mesmo se intitulava — levantava-se, fazia o café e lia o jornal, entre um gole e outro.

Apolinário era ascensorista havia 23 anos, num mesmo edifício no centro da cidade. Sempre tranqüilo, era notório por dar valor à sua palavra, qualidade em desuso há muito tempo. Para Apolinário era uma questão de honra:

— Se alguém me conta um segredo e eu dou palavra de sigilo, é garantido que não conto; nem se nosso senhor Jesus Cristo encarnar e me pedir pra dizer. Que Deus me perdoe, mas não digo, nem pra Ele. Senão não fico em paz comigo mesmo...

E era verdade.

Numa manhã chuvosa, um homem sinistro metido até as orelhas num sobretudo preto, entra no elevador de Apolinário.

— Décimo sétimo andar, por favor.

— Pois não.

Sozinhos no elevador, o desabafo do homem inconscientemente provoca os brios do ascensorista.

— Se lhe contar um segredo o senhor promete que guarda?

— Pode apostar minha vida com o Cão como ninguém saberá, moço!

— Minha esposa tem consultório aqui. No 172. É ginecologista. Descobri que tem um amante. E não é de hoje. Nem é invenção maldosa das pessoas. Eu vi os dois juntos. Ninguém me contou, en¬tende? Eu vi os dois trocando beijos num lugar que eu nunca desconfiaria! E na boca também! Ela diz que fica trabalhando até altas horas, que marca consultas até mais tarde para manter algumas clientes antigas e boas... tudo mentira. Hoje resolvi seguir a vagabunda e vi quando ela parou para pegar um homem que a esperava na esquina. Até aí, poderia ser um colega pedindo carona. Mas depois foram para um motel. É pouco provável que um homem sozinho tenha marcado consulta com uma ginecologista e logo num motel! Ficaram horas lá dentro. Comigo, ela fazia rapidinho. Às vezes ela tinha a coragem de me ligar, com ele do lado, a cama ainda quente, e dizer que ia demorar. Que a cliente estava muito abalada com o resultado de uns exames... Não dá mais. Tenho que terminar com essa palhaçada. O senhor me entende? Não posso viver com isso.

Apolinário ouvia sem comentar nada. Limpando as lágrimas, o homem traído continua, agora num tom de cobrança.

— O senhor vai me prometer que não dirá a ninguém que me viu! Está bem? Responda! — sacudindo Apolinário pela gola do uniforme.

— Tudo bem, moço! Não digo nada. Palavra.

— Não sei bem o que vou fazer. Talvez eu...

— Décimo sétimo!

— Obrigado. Passar bem.

— Não por isso. Tenha um bom dia.

Temendo o pior, Apolinário desce o elevador ao térreo pensando na angústia daquele homem estranho, para quem o peso da traição era maior que o de uma tragédia. No décimo terceiro, ouvem-se tiros vindos de cima.

A ambulância chegou tarde. A ginecologista já estava morta, com três balaços no peito. Ao lado da traidora jazia o corpo do marido assassino e suicida. No bolso do sobretudo, um bilhete com os dizeres: “Melhor assim”.
No saguão do prédio, os investigadores de polícia interro¬garam Apolinário:

— O senhor tem certeza que o homem não lhe disse nada no caminho que pudesse despertar suspeita? Nada confessional, sombrio?

— Não, senhor. Não no meu elevador. O senhor pode apostar minha vida com o Cão como não me disse nada. Não tenho nada a declarar.

Antes de partir, o delegado fez um último pedido:


— Aqui está meu telefone. Se o senhor se lembrar de alguma coisa, se quiser dizer algo, pode ligar sem medo. Às vezes as pessoas só lembram de coisas mais tarde.

Mas ele não tinha nada a dizer. Apolinário se orgulhava por ter princípios e preferia passar por cima das leis dos homens a quebrar sua palavra com Deus.

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