Namoro IV: o fora



Na danceteria mais badalada da cidade, naquele verão, Henrique, o conquistador, vai à luta. Há duas semanas não ficava com nenhuma garota e aquele longo recesso estava deixando o rapaz agoniado.

— E aí, gata, tudo bem?

A moça estranhou de cara o uso da expressão “gata”, em desuso desde que sua mãe começou o noivado com seu pai, mas mesmo assim respondeu:

— Tudo bem.

— Pra mim também tá tudo bem. Você vem sempre aqui?

— Nem sempre.

— Eu também não. Só de vez em quando.

— Legal.

— É. Eu também acho legal.

A estratégia de Henrique era simples: apostava na teoria de que para se começar um relacionamento, mesmo que passageiro, deve-se apostar nos pontos em comum entre você e a pretendente. Por isso, concordava com tudo que a garota dizia. A idéia era boa, mas na prática...

— Você gosta de dançar?

— Não. Eu venho nas danceterias por causa da batata-frita e do empurra-empurra. O que você acha? É claro que eu gosto de dançar!

— Então porque você não está dançando?

— Porque tem um cara chato pendurado no meu pé!

Desista, Henrique. Essa já era. Melhor procurar outra e não fazer perguntas que permitam respostas tão óbvias. O negócio é mostrar que você é um cara inteligente. Faça a garota pensar.

— Se um carro parte do repouso com uma aceleração constante de 5m/s2 e, depois de percorridos 40m adquire velocidade constante, quanto tempo levará para perfazer um percurso total de 100m medidos a partir do início do movimento? Qual será sua velocidade final?

— Você é louco? Que pergunta é essa?

— Questão 6 da FUVEST. É fácil, basta pensar um pouco. Quer que repita?

Não, Henrique, não será necessário: a garota já desapareceu. Mostrar que é inteligente não é mostrar que é bitolado. Onde está sua criatividade, rapaz? Mostre que é culto.

— Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutão.

— O quê? É comigo?

— São os planetas do nosso sistema solar, na ordem de maior proximidade do Sol: Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutão.

— Dá licença.

Seja criativo mas não tanto, Henrique. Você está sendo técnico demais. Erudição assusta as pessoas, sobretudo no primeiro contato. Procure se fazer casual, não force nenhum tipo de situação. Se preciso, apenas olhe e deixe que a garota tome a iniciativa. Algumas garotas gostam do tipo difícil. Vista aquele casaco com seu nome escrito nas costas e dê uma de distraído.

— Gostei dessa jaqueta com seu nome... Henrique.

— ...

— Ei, você é surdo? Disse que gostei de sua jaqueta!

— Ãã? Ah, a jaqueta. Nossa, sabe que eu nem notei que estava vestindo essa jaqueta. Aliás a última coisa que eu me lembro foi que saí do banheiro e fui pro quarto... Epa! Onde é que eu estou? Isso é uma danceteria? Puxa, nem reparei que tinha saído de casa!

— Eu, hein! Esse cara é maluco...

Mais um fora, Henrique. Assim você vai espantar todas as garotas do mundo. É tão simples! Você tem de ser inteligente, mas acessível; atencioso, sem bajulação; preocupado, mas não desesperado; romântico, porém contido; prático, mas não apressado; objetivo, porém apaixonado, além de mostrar que apesar de ter um rosto bonito e se cuidar, você não é vazio. É só isso o que qualquer mulher espera do homem desde a primeira cantada. Mas não deixe ela perceber que você está preocupado com o que ela espera de você. Você é o que é e ela só vai se interessar se observar sua total despreocupação com as aparências. Você é seguro, mas consciente de suas limitações.

Aonde você vai, Henrique? Não vá embora. Não desista. Você está indo bem, rapaz. Quem sabe na próxima semana, o desespero não lhe ajude a controlar a mente. Quem sabe? Henrique... Oh, Henrique...

No comments:

Post a Comment