Namoro VI: a falha (ou ascensão e queda)



Era uma noite agradável, com brisa. Não fazia calor, nem frio, estava a temperatura ideal para um encontro. Marcou às nove e meia com a garota pois sabia que, mesmo podendo chegar às nove, alguma coisa imprevista de errado iria acontecer. Tinha convicção disso. Por quê? A garota com quem iria sair era linda, alta, magra, ruiva, dentes lindos, brancos, grandes e alinhados, pareciam querer sair da boca para mastigar-lhe a carne. Os lábios carnudos, principalmente o inferior, sempre úmidos, sempre inchados, como se fossem explodir. Olhos azuis, nariz pequeno, levemente arrebitado. O corpo tinha sido esculpido pessoalmente por Deus, com calma, muita paciência para não tirar muito material, nem deixar sobras, tudo na medida certa. Ela tinha passado o fim de semana na praia, dourando a pele perfeita, sem rugas, sem manchas, lisinha e macia. Como se não bastassem tantas qualidades físicas, a beldade tinha também um cérebro e fazia excelente uso dele. Era a garota mais carinhosa e simpática que já tinha visto. E rica, milionária. Por tudo isso ele tinha certeza absoluta de que algo de ruim iria acontecer. Quando a esmola é muita...

Chegou do trabalho mais cedo que o normal. O trânsito caótico havia dado uma trégua para ele justo naquele dia. Queria passar sua melhor camisa e, como ele não era muito bom nesse tipo de atividade doméstica, precisava de tempo. Conseguiu passar a camisa sem deformá-la e em tempo recorde. Mal sinal.

Se não era a camisa que ia dar problema, só podia ser uma coisa. Mas não era: o chuveiro resolveu esquentar a água e ele pôde tomar o primeiro banho quente do mês. A cada minuto que passava executava com sucesso mais uma das tarefas necessárias na preparação para aquele grande dia. E ficava ainda mais tenso por não encontrar obstáculo.

Nenhum parente distante chegou sem avisar para uma visitinha rápida de três ou quatro horas. Nenhum seqüestrador ou assaltante apareceu. Se aparecesse, ele já tinha ensaiado um texto patético, implorando ao criminoso que adiasse o crime. Em troca ele garantiria facilidade de acesso no dia seguinte e colaboração total. Mas não foi preciso. Já chegava a hora de sair de casa para encontrá-la e nada de ruim acontecera. O medo começou a incomodar o rapaz.

O carro. O carro tinha uma década. Os buracos da cidade, a preguiça e a falta de tempo para manutenção adequada deixaram o automóvel no bagaço. Era isso, ia emperrar. Quando tentasse empurrar, rasgaria a camisa. Aí viria uma tempestade, a chuva de granizo destruiria seus óculos e deformaria seu rosto. Finalmente, um furacão o arrastaria até a Argentina, onde lhe restaria somente a cueca sobre o corpo. E no aeroporto de Buenos Aires, a falta de teto impediria seu retorno a tempo de falar com a garota. Seria preso por atentado ao pudor, confundido com um narcotraficante e torturado. Na cadeia, os outros presidiários o confundiriam com um estuprador e lhe dariam o título de “mamãe” da cela...

Enquanto imaginava o que poderia piorar seu triste destino, não se deu conta de que já havia chegado ao restaurante onde marcara o encontro. E o carro sequer engasgou. Que medo!

Estava no restaurante precisamente às nove e vinte e nove. Na porta, viu sua musa se aproximando. Era a imagem mais linda que seus olhos já tinham visto. Metida num vestido longo, branco, elegante, longilínea e radiosa. Não sabia o que olhar primeiro.

— Eu tive medo de atrasar, mas nada deu errado, ainda.

— Chegamos juntos. Que bom que eu não tive que esperar. A ansiedade me mataria... — seduzia a encantadora beldade.

A voz da garota era aquela voz rouca, suave, que parece ter areia na garganta. Ele estava apaixonado. E não era para menos.

O jantar estava correndo perfeitamente. Não deixou cair nem um pedacinho do frango sobre a calça. Nem sujou a borda do copo de comida. Pareciam amigos de tão natural e entrosada que era a conversa. A certa altura, ele descobriu o que ia dar errado. O nervosismo o fez esquecer a carteira, incluindo documentos, dinheiro, talão de cheques, cartões de crédito, tudo. Ele não era do tipo que achava que o homem deve bancar tudo, nem era orgulhoso a ponto de não aceitar que uma mulher pagasse o jantar. Mas a situação era outra. Ele teria que lhe pedir que bancasse o jantar porque era tão burro que não conseguiu se lembrar de levar a carteira. Por outro lado, estava aliviado: já havia encontrado o fracasso da noite.

Então, a garota espontaneamente ofereceu-se para pagar o jantar. Ele não podia acreditar.

— Faço questão de lhe pagar o jantar, mas tem uma condição! — impunha o monumento feminino personificado.

— Qual é?

— Você vai ter de me levar para tomar um drink na sua casa.

Era inacreditável. Não só se livrou do percalço como conseguiu o que mais queria: levar o mulherão para cama. E ele nem teve de se esforçar.

O modo como as coisas aconteciam deixava-o extremamente excitado. Parecia que Deus tinha visto o pobre diabo encalhado e teve piedade, brindando-lhe com aquele presente divino.

Chegaram em casa já aos beijos. Molhados, profundos. “Meu Deus, como essa mulher tem língua!”. Tudo corria bem e o desfecho parecia inevitável. Aí, a cabeça do rapaz começou a funcionar. E foi um fiasco.

Deitado na cama pela mulher que retirou toda sua roupa, ficava pensando: “se nada deu errado até agora e sempre alguma coisa dá errado, o que ainda pode acontecer de ruim?”.

A mulher nua, seios balançando, sentada sobre o ventre do homem, acariciava seu peito, beijava-lhe o rosto, o pescoço, a barriga e nada. Lambeu-lhe o corpo inteiro e disse coisas que as mulheres não dizem, mesmo quando sentem e não adiantou. Não houve carícia, nem gesto, nem toque que resolvesse. Nem mesmo o cheiro e a imagem deslumbrante daquele avião aterrissado sobre o colo do homem surtiram efeito.

É sabido que todo homem falha, ao menos uma vez na vida. Mas é extremamente cruel não poder escolher quando falhar.

Desapontada, a mulher se recompôs. Não sabia o que dizer, então saiu sem palavras. E o homem nem a olhou na cara, tamanha sua tristeza por ter brochado com a melhor mulher que já tivera na vida. Ou melhor, quase tivera.

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