Namoro I: a descoberta do amor



É duro ter dois anos e não poder decidir nem opinar sobre questões básicas, tais como o que vestir, onde ir e com quem, quando comer e o que comer, esse tipo de coisas. Sentado naquele carrinho de bebê, o pequeno Jonas não tem muito para fazer, além de olhar as pessoas que passeiam no parque, fazer xixi e cocô.

Ainda que bebê, já percebe uma grande diferença entre ele e as pessoas que observa. Nenhuma delas está atada a um carrinho ridículo, controlado pela mãe, vestindo jardineira jeans, camiseta com a cara do Pluto de língua de fora e boné de um time de futebol que o pai insiste em dizer que é o melhor, embora sempre perca os jogos. Os outros andam livres, decidem seu próprio caminho, tiram parte da roupa quando sentem calor. Alguns ficam tão empolgados com o poder de livre arbítrio que dão muitas voltas em torno de uma faixa branca pintada no chão do parque. São tão bobos que não percebem que a faixa termina no ponto inicial e que estão andando em círculos. Os mais espertos percebem que estão andando em círculos, mas em vez de sair da pista apertam o passo.

“Por que minha mãe não avisa aquelas pessoas de que não vão chegar a lugar nenhum daquele jeito?”

Conceitos como segurança e responsabilidade estão presentes no seu dia a dia, perpetuados por seus pais, mas não estão claros na sua consciência do pequeno Jonas. Afinal, tem apenas dois anos, muita fome, muita curiosidade e uma disposição inacreditável para chorar e sujar as fraldas.

A mãe leva o pequeno Jonas para passear todas as manhãs naquele mesmo parque. Perfaz um caminho que lhe parece o mais apropriado: é seguro, sem obstáculos, linda paisagem, brisa agradável e sol ameno, excelente para o guri. Outras mães também optam pelo mesmo caminho. Uma delas, leva a pequena Vanessa num carrinho, perfazendo o mesmo trajeto que a mãe do pequeno Jonas, porém no sentido oposto.

Crente de ser o único da espécie humana a andar de carrinho, o pequeno Jonas começa a planejar um levante. Não que fosse ruim sua situação. É que o espírito revolucionário não está nos livros mas no indivíduo, desde a mais tenra idade. Só não sabe como por em prática seus ideais anti-reacionários porque, isso sim, está nos livros. Mas o pequeno Jonas descobrirá um dia.

Caminhando em sentidos opostos sobre uma mesma trajetória fechada era inevitável o encontro do pequeno Jonas com a pequena Vanessa. Também inevitável era que surgisse identificação entre os dois pequeninos. Ambos estavam na mesma situação: presos e intrigados.

A imagem da menina era menos bela que gratificadora para o pequeno Jonas, uma vez que o chapeuzinho rosa que deitava a cabeça da menina era simplesmente idiota. Mas o fato de ser uma igual, uma infante segregada, sujeita à submissão materna e à completa impossibilidade de escolha, gerava um turbilhão de sensações inéditas e boas na mente do pequenino. Aquela era uma possibilidade imprevista muito interessante: finalmente Jonas encontrara alguém para compartilhar sua mamadeira, seu choro, seu mal cheiro oriundo da fralda e suas imaginações.

Mas durou muito pouco o encontro. O tempo exato para se olharem, se gostarem e partirem.

O pequeno Jonas era esperto e bem-humorado, seria fácil conquistar a pequena Vanessa. Passou o percurso inteiro com a imagem da menina estampada em sua retina, pensando no que dizer. Ele tinha que ser objetivo, pois a situação era importante. E conciso, pois o tempo era mínimo. As palavras não lhe vinham à mente e quando vinham, não serviam. Com dois anos não se conhecem palavras e conceitos, apenas comandos. Ele sabia como chamar a mãe e o pai, o nome de alguns bichos e da comida preferida. Sabia imitar alguns sons que ouvia e achava engraçados, mas não podia expressar sentimentos complexos como aquele que descobrira há pouco. Quando a sensação era ruim, ele chorava. Quando boa, ria. Nada além de comandos. Agora, precisava mais do que tinha.

A lanchonete era um aviso para ele: significava que logo ali na frente encontraria novamente sua amada. E de fato, alguns passos depois, reencontrou a pequena Vanessa, vindo na sua direção. Era hora de agir, embora não tivesse conseguido planejar nada. Improvisou, de forma intuitiva, erguendo os bracinhos, tentando alcançá-la. A mãe observou o gesto e promoveu um encontro rápido, desviando o carrinho da trajetória original. A mãe da pequena Vanessa fez o mesmo.

As mães se apresentaram, falaram sobre o dia, sobre o trabalho que os filhos dão, sobre suas profissões e as dos maridos, trocaram receitas e comentários elogiosos sobre os filhos da outra, enquanto os pequeninos se olhavam. Não havia mais a preocupação do que dizer, nem qualquer outra. Tudo o que os dois queriam era ficar ali se olhando, se conhecendo.

Psicólogos defendem que o ser humano é capaz de amar muito tempo antes de ter consciência do que seja o amor. Isso explica como o bebê é tão apegado à mãe, sua primeira amante.

E os passeios no parque nunca mais foram tediosos para o pequeno Jonas, que agora já sabia o que era amor. Depois daquele dia, nunca mais reencontrou a pequena Vanessa, pois a menina se mudara do bairro, mas teve, de uma só vez, seu primeiro encontro e sua primeira decepção amorosa.

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