Cultura popular



Dois conhecidos, mas não amigos, encontram-se na festa. Meio sem assunto, um deles tenta puxar papo.

— Você viu o Gugu ontem?

— Que Gugu, o Gustavinho?

— Não, o Gustavinho é Tavinho, não Gugu!

— Qual então?

— O Liberato. Da TV. Apareceu uma coitada que nem te conto.

— Você acha que eu vou perder meu tempo com programas de auditório feitos para o povão passar vergonha diante de milhões de pessoas? Tá louco!

— Por que não?

— Porque isso é popular demais pro meu gosto.

— Caipirinha é popular e pelas minhas contas você já tomou cinco.

— Mas é de Vodka! É de Vodka! Quem vê esse tipo de programa gosta mesmo é de pinga, que por sinal é um lixo.

— Ah, não é assim. Tudo tem seu valor...

— Menos programa de auditório, pinga e pagode.

— O que você tem contra pagode. Não gosta de música também?

— De música eu gosto. Não gosto de pagode.

— ...

Uma mulher lindíssima passa pelos dois e sorri para o exorcista da cultura popular, que retoma o papo.

— Ela não tinha dentes.

— Essa loura não tinha dentes?

— Não, a mulher do Gugu, no domingo.

— Ela não era mulher dele, era apenas uma convidada...

— Eu sei! Mulher do Gugu é modo de falar. A mulher do programa do Gugu não tinha dentes.

— É, é. É verdade... Mas você disse que não gostava desse tipo de coisa!

— E não gosto. Fui obrigado a ver.

— Obrigado?

— Você não vai acreditar! Eu estava zapeando pela TV, procurando um documentário, um debate político ou coisa do gênero, quando o controle remoto caiu da minha mão. Na queda, o controle quinou na mesa, mudou para o SBT e foi parar embaixo do sofá, perto da parede. Aí, até eu conseguir apanhá-lo fiquei vendo a mulher desdentada. Que coisa, rapaz, nenhum dente na boca da coitada!

— Acredito!

— Sério! Eu procurei bem pra ver se tinha algum, mas nada. Nenhunzinho.

— Da mulher eu sei. Mas essa história do controle...

— É a pura verdade. Essa mulher tá no papo!

— Quem? A desdentada?

— Não, a loura.

— Sei não. As louras são muito populares...

— Êêêêê...

* * *

Rodaram a festa inteira e acabaram se esbarrando de novo.

— Já que você não gosta de nada popular, não deve ter visto naquele especial sertanejo, na Globo, a hora em que o Chitãozinho...

— ...escorrega do praticável e se estatela no chão. Eu vi e morri de rir. Não que eu quisesse que ele se machucasse. É que eu não resisto a um belo tombo.

— E por que você assistia a um programa feito para aquelas pessoas que não tem dentes e assistem ao Gugu nos domingos?

— Você não vai acreditar! Sabe o controle?

— Aquele que escorrega sempre da sua mão?

— Esse mesmo.

— Quê que tem? Caiu de novo.

— Dessa vez eu quase peguei ele no ar.

— Quase...

— Eu escorreguei do sofá quando ele estava quase nas minhas mãos e caí. Na queda, minhas mãos que estavam ocupadas tentando agarrar o controle não puderam impedir minha derrocada. Bati com a cabeça no chão e entrei num estado estranho de “semi-consciência”, no qual eu podia apenas ver e ouvir mas era incapaz de fazer qualquer movimento com os dedos. Só consegui me movimentar para me acomodar no sofá. Depois fiquei ali parado até o fim daquela porcaria de programa.

— Aí melhorou.

— Passou.

— Sei.

— É a pura verdade. Olha a loura me encarando de novo.

— Você precisa maneirar.

— Com a loura?

— Não. Com as histórias do controle.

— Êêêê...

* * *

A festa estava quase acabando. Restavam alguns bêbados caídos pelo chão, os donos da casa que infelizmente não podiam ir embora, os dois conhecidos e a loura. O homem “culto” odeia o pop mas adora as louras e resolve atacar.

— Você vem sempre aqui?

— Não. Só quando tem festa e me convidam.

— Nessas circunstâncias você vem sempre?

— Não. Só quando estou disposta. Senão fico em casa, assisto à TV, comendo pipoca. Ou então bebo umas caipirinhas, ouço um pagode. E no domingo nada me tira da frente da telinha.

— É o meu programa preferido: pagode, caipirinha e programa de auditório!

— Faustão ou Silvio Santos?!

— Os dois. É pra isso que existe o controle!

Naquela noite, no apartamento da loura, a cultura popular venceu de novo. E o controle caiu no chão mais uma vez.

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