Mau humor



O homem de terno bem cortado entra no ônibus que vai do bairro para o centro. Ninguém em pé, mas só resta um lugar vago. Ao lado de uma senhora carrancuda.

— Bom dia, senhora. Posso?

— Pode o quê?

— Sentar. O lugar está vago, não está?

— Não exatamente.

— Tem gente aqui?

— Claro que não. O senhor está vendo alguém aqui? Se não está vendo é porque não tem.

— Se não tem ninguém, o lugar está vago. Certo?

— Não exatamente.

— Desculpe, mas eu não entendi.

— Não entendeu o quê?

— Não entendi o que a senhora tenta dizer com "Não exatamente".

— Suponha que o senhor me perguntasse: "Dois e dois são quatro?". Eu responderia: "Exatamente". Agora se a pergunta fosse: "E um vírgula noventa e nove e um vírgula noventa e nove, são quatro?". Então minha resposta seria: "Não exatamente".

— Entendi. A senhora quer dizer, então, que o lugar não está totalmente vazio.

— Nem completamente ocupado.

— Claro. Se estivesse completamente ocupado, a senhora diria: "Exatamente. O lugar está plenamente ocupado". Não é isso?

— Não necessariamente.

— O que quer dizer agora com: "Não necessariamente"?

— Quero dizer que eu poderia ter dito: "Não exatamente. O lugar não está amplamente vazio".

— Tá bem, tá bem. A senhora poderia me fornecer algumas informações a respeito do lugar ao seu lado?

— Depende.

— O quê que depende?

— Se eu tiver o conhecimento da informação que o senhor deseja eu posso até responder. Caso contrário, sou obrigada a dizer...

— ... "não exatamente", eu suponho.

— Precisamente.

— Bem, eu quero saber duas coisas: primeira, qual o percentual de desocupação desse lugar ao lado da senhora e, segunda, qual o índice mínimo para que outra pessoa possa se ocupar de um lugar parcialmente vazio?!

— Depende.

— Depende do quê, minha senhora!!!

— Depende do lugar propriamente em questão.

— Ah! Depende do lugar em questão.

— Propriamente.

— Certo. Vamos supor, apenas por hipótese, que houvesse um lugar aparentemente desocupado em sua plenitude, bem ao lado da senhora. Fica, assim, determinado o lugar propriamente dito. Suponhamos, ainda, que eu quisesse sentar nesse suposto lugar, chegasse até a senhora e pedisse permissão para tal, ao que a senhora responderia: "Não exatamente". Qual deveria, então, ser a minha atitude? Sentar-me-ia ou não?

— Não posso responder assim...

— Assim como?

— Assim tão rapidamente.

— Minha senhora! A senhora quer fazer o favor de me dizer, de uma vez por todas, sem enrolar, de maneira clara, simples e direta: afinal, sento ou não sento?

— Está bem, está bem. Se o senhor insiste. Pode se sentar. Mas não definitivamente...

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