Namoro III: o amor platônico



Quando soava o sinal do recreio, o pátio apinhava de gente. Meninos e meninas de todas as idades dirigiam-se à cantina e arredores, consolidando o que se poderia chamar de um point intra-escolar. Lá, os jovens se conheciam, trocavam “chavecos”, telefones e farpas, comportavam-se como um bando de adolescentes sob vigília sigilosa de professores e coordenadores do colégio.

Embora já tivesse 16 anos, Sandra nunca tivera um namorado. Não porque fosse muito “baranga” ou demasiadamente chata, mas porque sua timidez era ainda maior que o desejo de desencalhar. Na verdade, faltava-lhe autoconfiança e auto-estima.

Sempre que aparecia um garoto interessante, as outras meninas, mais espertas e desenvoltas, lançavam mão de suas infalíveis técnicas de sedução e, alguma delas, ganhava o menino. Sandra nem mexia um dedo, tamanha sua certeza de que o cara jamais se apaixonaria por ela. Assim, prostrava-se à concorrência sem sequer falar com o garoto.

O tempo passava, as acnes vinham e iam, os garotos passavam por Sandra e ela continuava na toca, temerosa pelo desconhecido. Cega pela timidez e pela falta de coragem, não percebia que muito pior que a decepção por receber um não é a frustração de jamais ter experimentado essa decepção.

Um dia chegou um garoto recém transferido de outro colégio, que mudou toda a situação. Ricardo era exatamente o que Sandra esperava de um homem. Até aí, sem novidades, pois muitos rapazes já lhe haviam despertado a mesma sensação. Só que desta vez, a menina decidiu lutar por ele.

Sandra não era gorda, mas tinha sobras desnecessárias. Por isso mesmo, começou dieta rigorosíssima e passou a freqüentar todos os dias uma academia próxima à sua casa. Em pouco tempo, entrou numa forma invejável, até mesmo para as mais voluptuosas garotas de sua classe. Reformou seu guarda-roupa, abandonando de vez o estilo boa menina. Agora, não usava um vestido que não acentuasse sua cintura fina frente ao quadril largo e teso. Nada de sutiã ou camisa sem decote, afinal, seus tenros e transbordantes seios deveriam ser exibidos. As coxas rijas e roliças também estavam à mostra, para quem quisesse ver. E o cabelo, antes confinado, enrolado como uma corda, agora balançava de um lado para o outro, roçando-lhe as costas na altura das nádegas, movimentado pelo harmonioso rebolado que Sandra desenvolvera. Abandonou os óculos, substituindo-os por lentes de contato que permitiam ver os lindos olhos que tinha.

Tamanha transformação não era milagre. Nem era o enredo de um filme da Sessão da Tarde, no qual a jovem bruaca encalhada, de óculos e aparelho nos dentes, apaixonada pelo garanhão da turma, revela ser no final a Cindy Crawford, descobrindo que o garanhão é um grande babaca e que seu melhor amigo, o Kevin Costner, é no fundo o homem de sua vida. A menina não havia sofrido alterações físicas tão drásticas. Na verdade, só perdera uns poucos quilos de gordura, mas ganhara muitos quilos de confiança. Seus seios não eram tão grandes, mas mesmo assim o decote chamava a atenção. Nem a bunda tão certa, nem a cintura tão fina. No entanto, a mudança de comportamento e o acréscimo de auto-estima fizeram-lhe outra mulher.

Os rapazes, entre si, teciam comentários e fantasias com Sandra, a “ex-bruaca”. Muitos queriam sair com ela, mas seu grande sonho era Ricardo, razão de sua transformação. Aliás, Ricardo manifestou admiração e contentamento diante da atitude de Sandra, mas nunca a convidou para sair.

Sandra resolveu que o rapaz seria dela de qualquer jeito: se a metamorfose não foi suficiente para fazer Ricardo procurá-la, ela mesma iria falar com ele, declarar-lhe sua paixão, vencendo a última grande barreira para sua felicidade, a sua timidez.

Produziu-se como uma princesa para uma festa de uma colega de classe. Decidida, pôs na cabeça que não sairia daquela casa sem o namorado pretendido. Aquela seria sua grande noite.

Ao chegar, pode-se dizer que Sandra causou uma revolução: os homens olhavam bestificados aquela mulher deslumbrante e atraente, sem sequer disfarçar (na verdade, os homens não conseguem disfarçar nessas situações); as mulheres roeram-se de inveja, iradas com a poderosa concorrente (mas conseguiam disfarçar perfeitamente o ódio, como toda mulher).

Sandra gostava daquela sensação. Sentia-se desejada e isso lhe aumentava a convicção de que era a hora certa de atacar Ricardo. Perguntou pelo amado e seguiu à sua procura. Ele estava no andar de cima do sobrado e já estava lá havia algum tempo. Subiu, então, remoendo uma ansiedade angustiante, temendo ter chegado tarde demais e encontrá-lo nos braços de outra mulher. Mesmo assim não desistiria. Ricardo era o homem de sua vida e haveria de ser dela, um dia.

No corredor, ouviu gemidos de prazer vindo do quarto no final do corredor. Não lhe restava dúvida: eram de Ricardo, em êxtase sexual.

Sandra estava obcecada. Tanto sacrifício e tanto esforço empregados na conquista daquele sujeito e ele não pensara duas vezes para se entregar a outra mulher. Em vez de ir embora ou atacar outro garoto, Sandra resolveu que nada do que fez valera a pena. Decidiu que deveria voltar a ser como era: sem graça, inerte, insossa. Que todo aquele sacrifício não valera a pena, nem jamais valeria. Mas que antes disso, diria umas poucas e boas para Ricardo e dirigiu-se até o quarto. Abriu a porta de supetão, sem bater ou anunciar, flagrando os dois amantes em pleno clímax. Essa foi sua salvação.

Nos dias seguintes, Sandra botou a cabeça no lugar e optou por manter a forma e a volúpia adquiridas. Arrumou namorados, às vezes mais de um, e foi muito feliz desde aquele dia.

Fico pensando se Sandra não tivesse decidido invadir o quarto e tomar satisfações com Ricardo, mesmo sem ter direito algum de interferir em sua vida amorosa. Hoje, ao invés de feliz e disputada, seria rancorosa e rejeitada, em função de um tipo de amor que ela não tinha armas para derrotar. De alguma forma, a imagem de Ricardo na cama com outro homem, livrou a adolescente do sentimento de culpa e impotência diante do insucesso daquela conquista, e serviu para lhe guiar corretamente na vida.

Eu avisei que esta história não era para a Sessão da Tarde...

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