Quatro e meia
Quatro e meia da manhã, num apartamento do edifício em frente a uma movimentada avenida da cidade. A mulher desesperada acorda o marido no meio da noite, incomodada.
— Você ouviu?
— ...
— Benício, você ouviu?
— Ãh?
— Acorda, Benício. Você está escutando?
— Não...
— Benício!!!
— Escutando o quê?!
— Presta atenção... Ouviu agora?
— Não tô ouvindo nada.
— Não é possível! Você está dormindo!
— Não, eu estava dormindo. Agora que você me acordou, estou acordado. Mas continuo não ouvindo nada.
— Só se você for surdo! Ou mentiroso!
— Aninha, são quatro e meia da manhã, eu estou cansado, com sono, vou levantar cedo. Por que eu iria mentir a esta hora? Se eu estivesse ouvindo alguma coisa eu diria, depois voltaria a dormir. O que é que tem pra ouvir?
— ...
— Espera. Vou botar os óculos.
— Eu disse pra você escutar, não pra olhar nada.
— Eu sei! É que eu escuto melhor de óculos.
— Não vai acender a luz?
— Claro que não! Eu não vou olhar nada. Só vou escutar.
— Mas...
— Pssssiu. Quieta que agora eu quero ouvir. Não volto a dormir enquanto não conseguir ouvir alguma coisa.
— ...
— Desisto. Eu devo ser surdo mesmo: continuo não ouvindo nada! Eu vou dormir. Droga! Amassei meus óculos. Se acontecer alguma coisa importante você me acorda.
— Olha aí... continua. Ainda não reparou?
— Não! Mas o que é que você está ouvindo afinal? Eu não ouço nada, mulher!
— É esse silêncio! Um silêncio constante, ensurdecedor! Como eu nunca tinha ouvido antes na minha vida...
No meio da madrugada, a mulher acostumada a perder o sono por causa do barulho noturno da cidade fica sem dormir para aproveitar ao máximo o prazer raro que o silêncio lhe proporciona.
Posted by
giacca, synbad, tchuca...
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
No comments:
Post a Comment