A beldade e o abestalhado



Juliana não mandava recados:

— É a sua, seu cafajeste!

Nascida e criada no interior de São Paulo, Juliana era filha de um fazendeiro milionário da cidade de Bauru e tinha um tem¬peramento forte. Linda, alta, cabelos e olhos claros, pele macia. O corpo era um convite à perdição. Na roça a piãozada delirava:

— Lá vai a patroazinha... Mai cumo é boa a desgramenta!

Seu pai desde cedo vigiava a menina, alvo da cobiça mas¬culina da redondeza. Na sua frente, os empregados fingiam que não a viam enquanto o patrão fazia-se de desentendido. O máximo que se comentava era a altura da jovem:

— Que espichada deu a Juliana, não, seu Ferreira?

E o pai, orgulhoso, dizia:

— Puxou o lado dos Ferreira.

Na família do pai os homens eram altos e atléticos. As mulheres, formosas e belas. Juliana não economizara na genética e pegara logo todas as qualidades dos primogenitores.

A vida era boa na tranqüila cidadezinha mas era pouco para aquele monumento de mulher.

— Pai, quero estudar na capital. Quero ser atriz!

— E eu quero morrer de desgosto se você abandonar nóis!

— Mas eu não vou abandonar vocês! Só vou estudar e tra¬balhar em São Paulo. O pai não quer ver a filha famosa, apare¬cendo na TV?

O pai não queria. Preferia vê-la na roça, sob sua constante observação, onde o risco da menina "arranjar um home" era menor. Pelo menos na cabeça do Ferreira, pra quem a adolescente era ainda donzela.

— Deixa ela ir, bem. Segurar é pior! — advertia a mãe, com sensatez. E foi a mãe que instruiu a filha, orientando e pre¬venindo sobre os perigos que lhe aguardariam na cidade.

— Vai, filha. Se precisar nóis tamo sempre aqui!

Juliana sabia se virar. Mas nem era preciso saber muita coisa com a estrutura que seus pais lhe montaram na cidade. Morando num flat com telefone, tendo motorista e muitos zeros na conta bancária, as coisas são mais simples. De qualquer modo, não deixava barato quando mexiam com ela na rua:

— Aí, gostosa, que saúde, hein?

— É a sua mãe, seu tarado!

Na escola de artes conheceu Fúvio, um rapaz magro e es¬quisito, por quem se apaixonou.

Fúvio havia estudado num dos melhores colégios da capi¬tal, em Higienópolis, e tinha a vida urbana impregnada na pele, cir¬culando pelas veias. No fim da puberdade, decidiu que queria ser ator. Sonhava ficar rico, famoso, assediado, largar tudo e ir morar no interior, numa casa rústica e ensolarada, nessa ordem. No mais, era um perfeito idiota.

Nos primeiros anos do ginásio, Fúvio não se dava bem com os demais garotos, sobretudo porque não jogava bem fute¬bol. Existe uma fase, na infância, em que jogar bola corresponde ao volume da juba do leão ou ao tamanho do chifre do alce. Fúvio era um leão careca, um alce sem corno. Quando os meninos iam para a quadra e escolhiam os times (Fúvio era sempre o último a ser escolhido), o pequeno imbecil pegava seu iogurte na mochila, provando aos de¬mais seu completo desape¬go ao esporte bretão e sua total ignorância das regras e da ética esportiva.

— Ou você joga, ou toma o iogurte, babaca! — agrediam os meninos do seu time. Já os oponentes o defendiam:

— Deixa o Fúvio. Vocês estão com um a mais mesmo...

A adolescência passou em branco. Sem namoradas, com poucos amigos, Fúvio tentava quase sempre agir como se fosse um rapaz normal. Resolveu fazer teatro para ver se melhorava sua vida social. No curso de artes dramáticas conheceu a inte¬riorana deslum¬brante.

— Me chamo Fúvio. E você?

— Juliana. Que nome diferente!

— Não acho. Juliana é bem comum por aqui.

— Estou falando do seu nome...Fúvio.

— Ah! Foi idéia do meu pai. Ele também é Fúvio e não queria ser o único, por isso botou o nome em mim.

— Minha mãe se chama Cremilda. Que sorte a minha já ter uma tia com esse nome. Senão...

— Seria um paradoxo: uma garota tão linda chamada Cre¬milda...

— Imagina...

Nem parecia o mesmo. Quando estava com Juliana, Fúvio era mais alegre, mais falante, uma pessoa extrovertida.

Não demorou muito para que começassem a namorar. Fúvio mudou-se para o flat de Juliana e não se desgrudavam nem um minuto. Os meses passavam e o amor dos dois se intensi¬ficava. Queriam-se casar, ter filhos, construir uma casa jun¬tos, brigar com os parentes, dizer que se amam. Comprar um dobberman, arranjar encrenca com os vizinhos, xingar o síndico, magoar-se por bo¬bagens, brigar por falta de diálogo. Ficar separados por uns tempos, retomar o casamento, partir do zero com maior intensidade. A história dos dois poderia ser vendida para o cinema e daria o filme mais romântico dos últi¬mos tempos. Poderia.

Mas o pai de Juliana não gosta de cinema, nem é um homem romântico. Descobriu o caso da filha e a obrigou a voltar para a fazenda e largar seu sonho de ser atriz, expulsando Fúvio de sua vida sob férrea ameaça de morte. O medo de Fúvio foi maior que seu amor e o casal se desfez, sem o mínimo de poesia. Depois do incidente, a vida corre como queria o pai.

— Que espichada deu a Juliana, não, seu Ferreira?

— É. Ela puxou o lado dos Ferreira. — respondia o pai auto¬ritário, sem o mesmo orgulho de antes. — Ela puxou os Ferreira...

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