Namoro II: a descoberta do outro sexo



— Agora, vamos guardar os lapizinhos e os desenhos que vocês fizeram.

— Tia Lúcia, posso ir no banheiro?

— Pode ir ao banheiro, sim, Paulinho. Você sabe chegar lá sozinho?

— Sei, sim. É a segunda porta no final do corredor...

— Não, Paulinho, é a primeira. A segunda é o banheiro das meninas.

Paulinho nem ouviu. Seguiu determinado no caminho daquele que para ele era o banheiro dos meninos. Enquanto isso, lá dentro, Camila se enroscava com a calcinha. Depois de um rápido xixi, a menina não conseguia recompor sua veste de baixo. Com a naturalidade típica das crianças bem pequenas, Camila pretendia sair daquele jeito mesmo: passos curtos, roupa arrastando pelo chão, tropeço iminente. Quando chegasse na sala de aula, Tia Lúcia se encarregaria de erguer seus trapinhos e cobrir-lhe a genitália mirim.

Não deu tempo sequer de sair do banheiro antes que Paulinho, equivocado, irrompesse porta adentro com a pressa dos apertados. A vontade era tanta que abriu o zíper da calça tão logo passou pela porta e já ia preparando o bilauzinho para satisfazer aos chamados renais, quando se deparou com Camila, desprotegida e estarrecida pela chegada imprevista e triunfal do colega de classe. Atônitos e seminus, Paulinho e Camila se entreolharam. Não com a malícia de olhos adolescentes, mas com a ingenuidade curiosa das crianças.

— Paulinho, eu não disse que era a primeira porta e não a segunda... você não ouve nada mesmo, hein?! — grita a professora.

Tia Lúcia chegou atrasada para evitar o incidente mas a tempo de evitar que Paulinho urinasse no chão. Camila teve erguida sua calcinha e Paulinho pode fazer seu xixi, no banheiro adequado. Depois, voltaram os três para a sala de aula, onde Tia Lúcia daria continuidade às atividades usuais do pré-primário.

Na cabeça do Paulinho, aquela imagem insólita continuava a atordoá-lo. Camila era a única menina da classe com quem ele se relacionava (afinal, nessa idade meninos e meninas são antes de mais nada rivais e, às vezes, até se odeiam). Como poderia sua única amiga menina ter-lhe escondido o fato de não ter pinto? Logo ele, que era um garoto tão acessível, tão compreensivo?

Do outro lado, Camila nem sabia o que pensar. Aquela diferença que ficou exposta ali na sua frente era uma novidade forte demais para ser enfrentada por ela sozinha e só servira para confirmar uma antiga teoria: não se pode confiar nos meninos, eles são uns mentirosos. Por que nunca lhe disseram que a vagina dos meninos é saliente?

Em casa, Paulinho se aproxima da mãe e, sem mesmo dizer olá, entrega, implacável:

— Mãe, a Camila não tem pinto!

A mãe percebe no ato que alguma coisa estranha ocorreu na escola e, enquanto não pode verificar com a professora o ocorrido, pede ao filho que lhe esclareça o fato.

— Ela tava sem roupa e eu vi tudo. Quer dizer, não vi nada... quer dizer, vi que ela não tinha tudo... que o tudo dela era um nada... ou ao contrário...

O menino estava desnorteado. A mãe, com o talento materno natural, tenta acalmar o menino com as armas que tem.

— Paulinho. As meninas não tem pinto, meu filho. Isso é normal. Em vez do pinto, elas têm vagina.

Era uma boa resposta. Simples, rápida, objetiva, do modo que as crianças gostam. Teria sido perfeita se Paulinho não quisesse saber mais.

— Têm o quê?

— Va-gi-na. É que nem um pinto, só que é do avesso.

Estava indo bem até então. Depois daquela explicação, o pai saiu da sala, antes que sobrasse pra ele.

— Então, mãe, quer dizer que você também não tem pinto?

— Isso. Eu sou que nem a Camila, só que maior.

— E o Papai? É que nem eu, só que maior?

— É... mais ou menos, filho. Hoje em dia, nem tanto...

Na casa de Camila, situação semelhante. Só que maior. Lá, o pai resolveu que ele era o mais indicado para falar.

— Veja minha filha, na vida nada é exatamente como a gente gostaria que fosse e quando menos se espera o destino nos prega uma peça. A inconstância e a incerteza do acaso faz com que...

Felizmente, a mãe interrompeu o marido e explicou, com simplicidade, aquilo que Camila não entendera pela boca do pai. Os pais da Camila, bem como os do Paulinho, temiam que aquele primeiro contato com o outro sexo pudesse de alguma forma alterar a evolução natural das crianças. Mal sabiam que o incidente fazia parte dessa evolução.

Convencidos de que meninos e meninas têm mesmo diferenças, Paulinho e Camila voltaram a ser amigos e a convivência até melhorou. Ambos começavam a entender que meninos e meninas não são iguais por natureza e, por isso mesmo, não têm o mesmo comportamento diante dos fatos da vida.

Aos poucos, meninos e meninas aprendem a respeitar e aceitar essas diferenças. Mais tarde, começam a admirar e apreciar essas mesmas diferenças, procurando se aproximar cada vez mais da diferença do sexo oposto. Se possível, procuram tomar contato íntimo com a diferença do outro, utilizando-a de modo prazeroso, na melhor das intenções, é claro. Tentam, então, conhecer o maior número de diferenças possível, não se apegando a nenhuma diferença em particular. Esse fenômeno é o que se convencionou chamar de adolescência.

No comments:

Post a Comment